Quando o cordel (en)canta com suas imagens

J. Borges foi um dos convidados que encantou com seus cordeis | Foto: Costa Neto

J. Borges foi um dos convidados que encantou com seus cordeis | Foto: Costa Neto


por Leonardo Vila Nova

Xilogravura e literatura são duas expressões da cultura popular que caminham praticamente em uníssono. Os folhetos ilustrados pelas reproduções de imagem impressas através de imagens entalhadas na madeira são parte quase que indissociável de uma mesma forma de se comunicar. Porém, há quem se esqueça que o ritmo que embala essa literatura também está lá, latente, pulsante, vivo. A cadência das métricas e rimas também faz parte dessa expressão. “Cordel Cantado”, mesa que encerrou a segunda noite do II Clisertão, nesta terça (6), reuniu o cordelista, xilogravurista, Patrimônio Vivo e homenageado do evento, J. Borges (também Patrimônio Vivo de Pernambuco), e o seu filho Joaquim Bacaro, ao colega de ofício Abraão Batista e o seu filho Hamurábi Batista. Juntos, eles transformaram o auditório da UPE, numa grande celebração da cultura popular, unindo Bezerros e Juazeiro do Norte, em plena Petrolina.

Ambos com 78 anos, J. Borges e Abraão Batista são contemporâneos de geração e ofício. Ambos talham madeiras e criam versos que primam pela metrificação e pelas rimas. Ambos tiveram a genética a seu favor, deixando para os filhos como herança o dom da criação. Bacaro, filho de J. Borges, com 13 anos, começou a fazer xilogravuras desde os 3, 4 anos. Hamurábi, filho de Abraão, com 43 anos, além de escrever cordeis, ilustra seus folhetos. Abraão abriu a conversa e não se fez de rogado, mandando um recado: “O cordel, para ser cordel mesmo, tem que ter cara, fala e cheiro de povo. Se não tiver essas características básicas, o povo o rejeita“. Entre lições de como se fazer um bom cordel e sobre a trajetória do cordel até os dias de hoje, Abraão se mostrou animado ao declarar que o cordel está conquistando novas gerações, apesar de hoje em dia se vendê-lo de forma diferente como se fazia, antigamente, cantando-o nas feiras.

E foram os versos cantados que estiveram presentes na fala de Hamurábi. Representante dessa nova geração da tradição cordelista de Juazeiro do Norte, ele já incorporou à sua linguagem elementos mais contemporâneos, como o rock. Ao falar de uma antiga banda que teve nos anos 1990, apresentou canções que nasceram como cordeis e ganharam os acordes das guitarras. E as rimas e métricas dessas canções hoje estão impressas nos folhetos. De pandeiro em mãos, ele apresentou um punhado dessas criações, que dão mostras da atemporalidade desta literatura que atravessa gerações.

O bem humorado J. Borges foi ovacionado com pompas de popstar. Falante, esbanjando simpatia e eloquência, ele agradeceu a todos, falou da sua trajetória e sobre os países que visitou – se derreteu em elogios à Venezuela, onde já foi homenageado, mas não concedeu os mesmos predicados e referências positivas à França, arrancando gargalhadas da plateia ao contar suas terríveis impressões de lá. Agradeceu com afinco a Ariano Suassuna, a quem deve o fato de ganhar a notoriedade – nacional e internacional -, a partir de meados dos anos 1970. “Ele me elevou com apenas uma frase, ao dizer que eu era o maior gravador da cultura popular nordestina. Dias depois todos os jornais e televisões bateram à minha porta, e até hoje eu não tive mais sossego”, riu. Durante toda a conversa de J. Borges, Bacaro mostrava sua arte, ao talhar uma madeira e desenhar uma xilogravura, impressa na hora. E a cadência da poesia fez-se presente novamente, quando J. Borges cantou um de seus mais populares cordeis: “A chegada da prostituta a céu”.

Palavras, imagens, ritmo… a literatura popular nordestina é um combo de elementos que traduzem os múltiplos talentos de seu povo. Seja um cordel cantado ou falado, sempre encontraremos a sofisticação dessa linguagem que ganhou o povo e hoje é também objeto de estudos acadêmicos no Brasil e no mundo, uma referência que não pode ser esquecida. As vozes dos poetas estão aí.. sejam os de 78, 43 ou 13 anos… a poesia está sempre presente, seja dou do Ceará ou de Pernambuco, ela não tem idade e o sotaque pouco importa.

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